
Maestro, uma homenagem cinematográfica a Leonard Bernstein
Há três horas que regressei do um filme que me tocou profundamente: “Maestro”, de Bradley Cooper, sobre a vida do Mozart do nosso tempo, o compositor, pianista e maestro americano Leonard Bernstein (1918-1990).
Hesito em prever que o filme – produzido por Stephen Spielberg e Martin Scorsese, entre outros – vai ganhar os Óscares porque, há um ano, outros excelentes filmes que vi, “Tar” e o filme autobiográfico do próprio Spielberg, não conseguiram ganhar os prémios principais, em favor de filmes menos importantes.
De qualquer forma, “Maestro” é mais um filme sobre um grande compositor, neste caso o primeiro grande maestro nascido e criado nos Estados Unidos a tornar-se uma celebridade de renome internacional.
E o filme, actuado, realizado e escrito (com Josh Singer) por Cooper, surge pouco depois de “West Side Story” de Bernstein ter sido filmado pela segunda vez apenas por Spielberg.
Bernstein era relativamente modesto em relação a si próprio como compositor, declarando-se um compositor menor em comparação com os maiores da história musical.
Mas parece que a história da musica o colocará entre os maiores compositores do século XX, com aqueles que eram grandes nomes na altura a desaparecerem e a serem totalmente esquecidos.
Ironicamente, este filme comovente tem relativamente pouca música tocada e executada, para além do bailado “On the Town” de Bernstein e parte do final da sua adorada Segunda Sinfonia de Mahler.
O filme é mais sobre um marido bi-sexual que amava a sua mulher, a atriz chilena Felicia Montealegre (retratada de forma tão realista por Carey Mulligan) e a sua família tanto quanto amava a música.
E como a música é um espelho da vida de um artista, talvez o filme explique mais sobre a música de Bernstein do que qualquer estudo académico?
Estou particularmente tocado pelo argumento do filme porque os meus professores de oboé tocaram todos na Filarmónica de Nova Iorque sob a sua batuta.
E toquei a ópera “Candide” de Bernstein no Rio de Janeiro e a “Outdoor Overture” do seu grande amigo Aaron Copland no Liceu de Música e Arte, ao qual foi dedicada.
E eu sou formado pelo Aaron Copland College (antigo Queens College) em Nova York e conheci Copland e ouvi-o falar sobre música americana.
Copland, o melhor amigo do Maestro (e suposto amante) também aparece no filme.
E as filhas de Bernstein, incluindo Jamie, retratada no filme, conheci quando assisti a um concerto de música que o Maestro Bernstein compôs para acompanhar receitas de cozinha.
E nunca me lembro de alguém falar mal do Maestro-pianista-compositor-educador Leonard Bernstein, exceto o crítico do New York Times Harold Schonberg e a biógrafa não autorizada de Bernstein Joan Peyser, no que muitos consideram o seu injusto retrato “Bernstein”.
Na verdade, Bernstein ainda é lembrado com carinho aqui no Rio de Janeiro, onde (antes da minha chegada, nos anos 70) ele regeu e tocou um concerto para piano no Teatro Municipal.
E eu também sou da geração que cresceu e se inspirou nos “Concertos para Jovens” de Bernstein, que foram imitados em todo o mundo na tentativa de comunicar às gerações mais jovens as maravilhas e alegrias da chamada música “clássica”.
Lembro-me de que, quando a Filarmónica de Nova Iorque tinha de ensaiar e tocar música contemporânea – que não a de Bernstein – sob a batuta do Maestro, ele organizava (segundo um dos meus professores que tocou com ele) um jogo com recompensas monetárias para distrair os músicos da orquestra, muitas vezes indisciplinados.
Os rumores sobre os casos homossexuais do Maestro com alunos e colaboradores artísticos foram sempre muito frequentes, mas quem é que realmente se importa (para além da sua esposa e filhas dedicadas)?
O Maestro tem a sorte de ter falecido antes do movimento METOO ter destruído numerosas carreiras artísticas porque, investigando a sua vida romântica, deve ter havido numerosos casos para expor.
E podemos imaginar os processos judiciais que teriam atormentado e distraído o Maestro Bernstein da sua música.
Enquanto estava hipnotizado pelo filme, não pude deixar de pensar que se os filmes tivessem sido inventados quando outros grandes compositores como Mozart estavam vivos, haveria muito para expor.
De alguma forma, o “Maestro” de Cooper parece ser um filme que homenageia, em vez de desonrar, um grande músico.
E a semelhança do ator com o Maestro que conhecemos e amámos é, no mínimo, impressionante.
Uma frase do filme permanece comigo enquanto a “música de baixa qualidade” (obrigado, oboísta reformado da Filarmónica de Israel, Bruce Weinstein) – na minha opinião – reina em todo o mundo.
Bernstein: “Vivemos numa época de grande criatividade na ciência, mas de falta de criatividade na música”.
PS – Há muito tempo, um engenheiro americano chamado Eugene Rausa contou-me que recebeu uma chamada telefónica urgente (lembram-se?) do grande compositor brasileiro Guerra Peixe dizendo-lhe: “Venha a correr ao meu apartamento para traduzir. Um senhor Stein dos EUA está a visitar-me”.
O Sr. “Stein” era Leonard Bernstein com seu namorado visitando o Rio de Janeiro para o Carnaval.
Porque é que ninguém me telefonou?