Globetrotter by Harold Emert

Não pude deixar de pensar, enquanto aproveitava cada minuto de “Tom Jobim, o Musical” no último domingo (8 de dezembro) no Teatro Grande Sunday, no Rio de Janeiro – trinta anos após a morte de Jobim em um hospital de Nova York – nas palavras apropriadas de um conhecido local: “Devido à Internet, não existe mais cultura do terceiro mundo”.

Concordo, pelo menos no que diz respeito a esse teatro carioca como um exemplo para o mundo artístico/entretenimento internacional.

Pois essa produção espetacular com 27 atores, cantores, dançarinos e 13 músicos retratando a vida do compositor (Rio de Janeiro, 1927 – Nova York, 1994) da “Garota de Ipanema” é tão perfeita em termos de elenco, música, dança e direção quanto qualquer espetáculo que se possa ver na Broadway ou no West End em Londres.

E falo com base na experiência de ter visto recentemente em minha cidade natal, Nova York, a ópera argentina “Ainadamar”, de Osvaldo Golijov, transformada em uma produção de gala no primeiro e único Metropolitan Opera House.

“Tom Jobim, o Musical” é, de fato, uma surpresa para os frequentadores veteranos de teatro no Rio de Janeiro, que muitas vezes testemunham – para citar a famosa canção de Jobim – os espetáculos ‘Desafinados’, que frequentemente infestam alguns teatros locais.

Desde o início dessa produção até a morte de Tom, temos a sensação de que estamos testemunhando no palco não uma recriação, mas os eventos reais no momento em que acontecem: o talentoso garoto de Ipanema (que na verdade nasceu na Tijuca) frequentando as praias onde se apaixona, casa-se e até compõe uma canção para sua amada Theresa; o pianista-flautista-guitarrista tentando sustentar sua família, incluindo um filho (Paulo Jobim), tocando para bêbados até altas horas da madrugada no que ele chama de “inferninhos” (para um compositor em dificuldades) do Rio de Janeiro, um pianista arranjador sobrecarregado de trabalho em um estúdio de gravação do Rio tentando se desenvolver como um jovem compositor etc

Ou quase o mesmo caminho que seu colega americano George Gershwin percorreu como pianista, acompanhante e secretário musical do analfabeto musical Irving Berlin, o grande compositor popular!

No palco da Casa Grande há um elenco jovem, em sua maioria, de excelentes atores iniciantes e veteranos, retratando os grandes nomes da música brasileira, incluindo os compositores Ary (“Brasil”!) Barroso, Villa Lobos, o violonista-cantor de bossa nova João Gilberto, a cantora Elis Regina, entre outros que influenciaram o compositor no caminho para a fama e a fortuna.

O reconhecimento internacional veio para o compositor depois que Jobim concordou relutantemente em participar (apesar de seu medo de voar) da cerimônia de gala do Carnegie Hall, em Nova York, que lançou oficialmente a bossa nova.

Decidindo prolongar sua estada em Nova York, Jobim descobriu que nem tudo o que reluz é necessariamente ouro, pois os abutres comerciais americanos enganaram o compositor e o privaram de muitos de seus direitos como criador de algumas das mais belas canções do século XX.

Ele voltou para casa no Rio, compondo nas manhãs perto do Jardim Botânico do Rio, encontrando-se com amigos e admiradores quase todas as tardes em uma churrascaria, quando não estava viajando pelo mundo com um conjunto que criou com o violoncelista e arranjador Jacques Morelenbaum, cantores e um pequeno conjunto.

E, mais uma vez, esse musical coloca em cena, de forma concisa, alguns dos que cercaram o compositor no Brasil e no exterior, incluindo um letrista americano (que ganhou mais do que Jobim e Vinicius Morais com suas traduções das canções do compositor) e o saxofonista tenor americano Stan Getz, retratado como americanizando um pouco demais para o gosto de Jobim a bossa nova.

Até mesmo Frank Sinatra é retratado em uma cena que é recriada com maestria e hilariante sob a direção competente de João Fonseca.

O rompimento de seu primeiro casamento com Theresa de Otero Hermanny apenas para se apaixonar novamente por uma fotógrafa admiradora, Ana Beatriz Lontra, e uma nova vida residindo perto da vida selvagem e da natureza das aves que ele reverenciava em “Aquas de Marco” e para retornar às raízes da cultura brasileira, compondo a música para a versão de novela do romance de Jorge Amado, “Gabriela”.

A morte de Tom em um hospital de Nova York em decorrência de um câncer (embora eu tenha lido agora que Tom teve um ataque cardíaco durante a cirurgia) conclui a saga de Tom, mas nesse musical feliz, a perda trágica de um grande compositor em uma idade relativamente jovem é apenas uma sombra, e não um final trágico.

O maravilhoso elenco inclui dois excelentes cariocas, Elton Towersey como Tom, que também toca piano, flauta e violão, e seu melhor amigo e colaborador, o poeta-lírico-playboy Vinicius Moraes, interpretado por Otavio Muller.

Mas todos, entre cantores, dançarinos e atores e, principalmente, os excelentes arranjos musicais desse espetáculo de autoria dos colunistas de O Globo Nelson Motta e Pedro Bricio, com direção musical de Thiago Gimenes, são estrelas e lamentamos omitir alguns nomes.

As estrelas notáveis são Analu Pimenta, que interpreta a lendária cantora Dolores Duran (1930-1959) e outra lenda, Elza Soares (1930-2022), e Jon Black, que canta o clássico de Bonfá-Antonio Maria, “Manhã de Carnaval”, e Thaina Gallo, que interpreta Elis Regina.

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