Globetrotter by Harold Emert

Sobre o que deve tratar uma obra dramática, seja ela uma peça ou um filme: um acontecimento altamente dramático ou a suposta monotonia da vida cotidiana?

Para o escritor americano John (“Rabbit,Run”) Updike e para o cineasta alemão Wim (“Perfect Days”) Wenders, entre outros, a ficção trata de confrontar a realidade monótona da vida cotidiana.

No caso de Updike, o tema são as limitações do subúrbio americano e, no premiado filme de Wender, um limpador de banheiros públicos em Tóquio, que, apesar de seu cotidiano insalubre, sabe como aproveitar a vida por meio da música e da literatura.

O mesmo foco no significado da vida cotidiana e monótona também se aplica a “Senhor Diretor”, da falecida brasileira Lygia Telles Fagundes (São Paulo, 1918 – São Paulo, 2022).

O monólogo encenado no Teatro Poeira (Botafogo), no Rio de Janeiro, com 171 lugares, conta com o talento de mais uma veterana atriz brasileira, Analu Prestes, 72 anos.

Digo “mais uma” depois de assistir a outras excelentes “jovens” atrizes brasileiras, Fernanda Montegro,95, no fantástico filme “Vitória” e Othon Bastos, 91, em um monólogo baseado em sua vida “Eu não desisto”.

O mundo teatral brasileiro parece prolongar a vida de muitos de seus astros!

Durante cinquenta minutos, a Sra. Prestes retrata uma professora solteirona de 62 anos, aposentada do trabalho diário, mas ainda lúcida e não aposentada da observação do mundo ao redor. Escrita em 1977 pela autora paulista, ganhadora do Prêmio Camões – o Prêmio Nobel da Língua Portuguesa -, a peça é uma espécie de um dia na vida de um episódio, como o irlandês James Joyce conseguiu em “Ulysses”.

A caminho de um encontro com velhos amigos para comemorar seu aniversário de 62 anos, Maria Emília fica indignada e escandalizada com as manchetes dos jornais e revistas nas prateleiras de uma banca de jornal local.

Ela decide escrever uma carta (imaginária) de indignação para o (agora extinto) tabloide local “Jornal da Tarde”, reclamando do atual “caos” e do excesso de exposição erótica na mídia de hoje, revelando a educação repressiva de sua geração.

Ainda virgem (apesar do fato de já ter tido um “relacionamento íntimo” com um homem), Maria Emily – como outras de uma geração nascida e criada no Brasil antes ou durante as duas guerras mundiais, que já teve pais autoritários e acompanhantes nos encontros – é a sexualidade reprimida em uma nação e cultura supostamente liberadas sexualmente.

O que flui são pensamentos e lembranças que variam de deprimentes, tristes a divertidas de momentos, oportunidades, amigos e talvez uma vida perdida nessa adaptação de Silvia Monte.

(Imagine se Maria Emilia estivesse realmente viva nesses tempos conturbados?)

O monólogo é uma adaptação de um conto (1977) de Lygia Fagundes Telles, que morreu aos 104 anos de idade em 2022.

A autora popular era membro da Academia Paulista de Letras e mais conhecida por seu romance “Ciranda da Pedra” (“Stone Circle”, 1954).

Seus romances e contos foram traduzidos em todo o mundo e adaptados para o teatro e o cinema.

Analu Prestes, 72 anos, tem uma carreira de 52 anos no teatro, incluindo a conquista do prestigioso Prêmio Shell.

Os rigores de um monólogo exigem esse meio século de palco que essa excelente atriz – dirigida por Silvia Monte – tão habilmente demonstra.

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