
Sempre me surpreendo com a forma como a música nos leva a novos mundos!
Por exemplo, este oboísta e compositor reside neste paraíso tropical chamado Rio de Janeiro há mais de cinquenta anos, porque a música me trouxe ao Brasil para tocar com a Orquestra Sinfônica Brasileira após meus estudos e trabalho na Alemanha.
Mais recentemente, depois de assistir a uma celebração musical em um clube noturno local pelo 93º aniversário do gaitista ou harmonista de renome internacional Mauricio Einhorn, escrevi para ele, mencionando (de forma indelicada) que a versão de seu conjunto de “They Can’t Take That Away from Me”, do meu suposto primo, o falecido George Gershwin, não era exatamente a que eu me lembrava de ter sido cantada por Ella Fitzgerald (e Louis Armstrong).
Posso não ser um especialista em Tom Jobim, Cartola, Caetano Veloso e outros gênios brasileiros da música popular, mas, tendo crescido no Lower East Side de Nova York, não muito longe de onde meu suposto “primo” cresceu e começou a compor músicas na Broadway, sei um pouco sobre Gershwin.
Dizem que os pensamentos às vezes são muito mais poderosos do que se imagina e, para minha surpresa, há dois dias, na quinta-feira, 5 de junho, recebi uma ligação no WhatsApp do próprio grande Mauricio me convidando para me juntar a ele no clube alemão do Rio, aqui na Gávea, para “dar a canja”, ou seja, fazer uma apresentação especial de “They Can’t Take that Away from Me”, do meu primo George.
A ligação teria me surpreendido completamente, mas na minha vida musical agitada quando eu era jovem no Queens, em Nova York, meu pai uma vez me chamou ao telefone dizendo: “corra, atenda o telefone ou vou desligar”.
Quem ligava era ninguém menos que o grande maestro Leopold Stokowski, convidando-me para tocar o concerto para oboé de Cimarosa com a American Symphony em concertos em hospitais de Manhattan para veteranos de guerra doentes!
Mas voltando ao Mauricio… acostumado como sou como músico “clássico”, liguei de volta para perguntar “quando seria o ensaio?” e “em que tonalidade” tocaríamos Cuz Gershwin?
A resposta foi o que parece ser comum no mundo musical pop-jazz do Brasil (e dos EUA?): sem ensaio, apenas um teste de som.
Então, toquei “They Can’t” primeiro por telefone no meu oboé inglês e depois no meu francês, com Mauricio aprovando o último.
Na sexta-feira (6 de junho), chegando uma hora antes da apresentação no clube Germania, antes que eu pudesse tirar meu oboé da bolsa, fui enviado ao palco para o teste de som, tocando a famosa melodia de Cuz George, que foi imortalizada pela primeira vez pelo filme de Fred Astaire e Ginger Rogers de 1937, “Shall We Dance”.
(Reza a lenda que Gershwin teve um caso com a esposa do Charlie Chaplin, a atriz Paulette Goddard, e quando o “grande ditador” descobriu, George e seu irmão, o letrista Ira Gershwin, compuseram a música “They can’t take that away from me” — grandes momentos românticos!)
Após um rápido teste de som, fui encaminhado não para um camarim silencioso (como é habitual para solistas musicais visitantes), mas para a primeira fila do auditório do clube alemão, onde pude apreciar Bernard Ramos na guitarra, Romulo Gomes no baixo e Xande Figueiredo na bateria, brilhando com a sempre encantadora gaita de MAURICIO.
Mas, como um jogador de futebol ou beisebol enviado como substituto no final do jogo, meus nervos estavam ficando um pouco (?) à flor da pele: minha palheta funcionaria, o oboé estaria bem com todo esse ar condicionado?
Enquanto isso, ao meu lado, o presidente do clube alemão tomava seu uísque e todos apreciavam as dez canções do quarteto, que incluíam “Here’s that Rainy Day”, “Sadness the two of us”, de autoria do próprio Mauricio, e a música que antecedeu a minha, “Autumn Leaves”.
Hora do show!
Finalmente chegou a minha vez.
Aplausos. “They can’t take it away” ficou exatamente no nível de Ella Fitzgerald, mas pareceu ter corrido bem e guardei meu oboé para aproveitar a conclusão da adorável noite musical.
Mas espere um minuto… Mauricio estava me chamando novamente para participar do segundo (ou primeiro?) hino brasileiro, “Carinhoso”, do imortal Pixinguinha. E depois ele beijou minha mão em agradecimento!
Uma noite inesquecível… pelo menos para mim… obrigado, “primo” George Gershwin!